Do lixo ao luxo: Traje de inverno eduardino de um blazer de brechó

Julia Tuleski
5 de ago.
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Muitos anos atrás encontrei em um brechó, por apenas 5 reais, um blazer que na época eu achei que se encaixava perfeitamente no meu estilo vintage anos 40. Fim da história? Nunca usei ele.

Ele ficava muito largo em mim e eu não conseguia montar nenhum look com ele. Ficou anos em um canto do meu guarda roupa até a luz acender na minha cabeça e eu pensar "parece uma jaqueta de inverno eduardiana". E assim começa a saga do upcycling.

Fazia tempos que eu admirava fashion plates no pinterest de trajes de inverno, jaquetas com soutache, trajes que lembram “terninhos” combinando… Já tinha meio caminho amdado com esse soutache lindo que já veio no blazer, razão principal de eu tê-lo comprado e o único motivo pelo qual eu tentei salvar a peça.

Meu primeiro paço foi desfazer todas as costuras da peça, e acho que nunca vi uma peça tão mal acabada como essa. Costuras sem acabamento, fios soltos, algo que um dia já deve ter sido uma entretela, nem forro a peça tinha. No avesso do peito havia os restos mortais de uma entretela que se desfez até virar fiapos e resíduo de cola (sim, era entretela termocolante, sofri um pouco para tirar os restos da cola do tecido). Um dia inteiro foi apenas para descosturar tudo,cortar fios soltos e limpar a antiga entretela com a ajuda de uma lâmina de barbear.

Depois de deixar tudo em um estado que pudesse ser usado, foi hora de fazer ajustes nas medidas. Ele ficava extremamente largo, então tive que fazer ajustes na cintura e diminuir um pouco a largura das mangas também. Depois de muito alinhavo para poder experimentar a jaqueta e me certificar de que tudo estava na medida correta, foi hora de cortar a nova entretela.

Utilizei algodão cru de gramatura média nesse projeto. Entretelei apenas as partes do peito e laterais, nas costas optei por fazer apenas três canaletas com barbatanas no centro para dar uma estrutura. Só de alinhavar tudo a nova entretela já mudou totalmente a cara da peça, e eu comecei a ver a luz no fim do túnel nesse projeto.

Canaletas das barbatanas. Utilizei braçadeiras de plástico como barbatanas

Depois de entretelada foi a hora de cortar o forro, e isso para mim foi a parte mais divertida. No encontro do Costura Histérica de 2024 ganhei em uma das rodadas do bingo um corte de 2m de tricoline estampado (contribuição da Fabi Pranaites ❤️). O tecido era azul clarinho com desenhos de balões rosa, ficou quase um ano guardado esperando por algum projeto até eu me lembrar dele e pensar que seria divertido fazer uma peça que fosse séria por fora e tivesse um forro com estampa fofinha.

Pois foi o que eu fiz, e o forro é minha parte preferida desse traje! Cortei todas as partes e alinhavei na peça, utilizei o método de unir as partes do forro depois de fazer todas as costuras estruturais. Ver todas as partes alinhavadas e bonitas em cima da minha mesa me animou muito para terminar esse projeto.

Chegou a hora de costurar tudo. Fiz todas as costuras estruturais na máquina e foi um pouco sofrido. Não consegui identificar o tecido usado nesse blazer, só sei que é sintético e me parece muito com a textura do linhão (o controverso linho de poliéster), o fato é que é um tecido horrível de costurar na máquina. Além de ter um pouco de elasticidade, as fibras eram curtas, e onde eu tentava costurar sem a camada da entretela por baixo embolava tudo e repuxava o tecido. Nas mangas tive que costurar bem de vagar e com uma folha de jornal por baixo para dar mais estabilidade.

Foi sofrido, foram dois dias de puro ódio mas no fim consegui costurar tudo. O forro foi costurado a mão com o ponto espiral. Gosto de trabalhar com esse método porque para mim é mais fácil de evitar que o forro “ensaque”.

E é claro que não seria verdadeiramente um projeto Julia Tuleski se eu não conseguisse enfiar um bordado no meio. O blazer veio com um colarinho interno que resolvi aproveitar para bordar minhas iniciais. Acho um detalhe muito especial em roupas antigas quando os donos bordavam seus nomes ou apenas as iniciais em algum ligar da roupa, e resolvi seguir esse costume para deixar a peça ainda mais especial.

Jaqueta finalizada com sucesso! Pensei muito se fazia uma gola de pela para dar um charme, mas optei por não costurar uma definitivamente na jaqueta para ficar mais tranquilo de usar em dias que não estejam tão frios. Depois de finalizar a jaqueta foi a hora de fazer a saia.

Não quis fazer algo muito elaborado na saia, um modelo simples de saia de passeio com 5 painéis, sem enfeites para dar todo o destaque para a jaqueta. Já que é para o inverno, utilizei lã batida (de poliéster) e tenho uma habilidade incrível: fazer uma saia de passeio simples, completa, com apenas 1m de tecido. Aproveito cada retalho do corte.

Ver esse traje pronto me deu muito orgulho. Consegui transformar algo simple que estava juntando poeira em uma peça linda e funcional. Revitalizar ela do meu jeitinho criou uma ligação ainda mais especial entre mim e meu trabalho.

Gosto muito de trabalhar com upcycling, foi assim que comecei na costura, estilizado e reformando roupas de brechó. Com os anos desenvolvi uma intuição para ver peças simples em brechós e pensar em que eu podia transformá-las, e foi assim que meu guarda roupa historico começou a nascer.

Esse traje de inverno foi feito principalmente porque precisava de uma roupa de inverno bonita para uma viagem muito especial. Visitar meus amigos e pais históricos Arthur Adans e Paulo Samu em Gramado na companhia da Ivny Coura.

Passamos uma semana maravilhosa em Gramado, e por mais que nossa visita tenha sido no meio de veranico e não pegarmos o famoso frio da serra gaúcha, consegui usar meu traje na noite em que visitamos Canela. E foi nessa galeria temática de estação de trem que a Ivny fez essas fotos maravilhosas que me fizeram pertencer a uma adaptação de Anna Karenina.

Deixo vocês com as fotos mais incríveis que eu poderia ter pedido. Obrigada Ivny, Paulo, Arthur e Thay pelos passeio em Gramado ❤️