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Guarda roupa cápsula eduardino: uma espiadinha no armário feminino de 1900 a 1910

  • Foto do escritor: Julia Tuleski
    Julia Tuleski
  • 2 de mai.
  • 7 min de leitura

Quantas roupas você tem no seu guarda roupas ? Aposto que a resposta é algo entre "várias" e "perdi a conta". De fato hoje é bem comum termos todo tipo de peças no armário, peças que as vezes nem nos lembramos de que estavam lá, s relação que temos hoje com nossas roupas e com o consumo é bem diferente do que as pessoas tinham 50, 100, 200 anos atrás.

Às vezes assistimos filmes de época com vários figurinos incríveis ou nos deparamos com aquela informação de que as mulheres trocavam de roupas várias vezes ao dia porque cada ocasião possuía um código de vestimenta específico e surge aquela pergunta "quantas e quais roupas as mulheres do passado realmente tinham?". Para responder essa pergunta primeiro é preciso levar em conta a classe social a qual essa mulher pertencia, seu poder aquisitivo e até mesmo sua posição dentro da sociedade. Quanto maiores a classe social e o poder econômico, maior era a variedade (e a chiqueza) das peças de roupa que ela possuía. Uma mulher da classe trabalhadora não teria as condições, e nem a necessidade, de ter um traje de côrte em seu armário por exemplo.

Vamos considerar aqui uma mulher pertencente ao que hoje consideramos como classe média, que no início do século XX buscava cada vez mais seu espaço na sociedade fora do lar, conquistando um emprego em algum escritório. Seu guarda roupas precisa incluir peças para serem usadas em casa, no trabalho, para passeio e resolver assuntos fora de casa, e um ou outro traje para situações mais formais ou festas.

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Começando pela manhã temos o morning gown ou wrappers. Esses eram trajes exclusivamente para serem usados dentro de casa, e por serem roupas extremamente informais não deveriam ser vistos por convidados. Uma mulher só deveria receber convidados usando um wrapper em circunstâncias muito especiais. Esse vestido lembra uma espécie de roupão, sendo abotoado na frente e ficando bem solto no corpo ou marcado na cintura com um cinto. Era usado na mesa do café da manhã (na sua própria casa, nunca na de convidados) ou acompanhado de um avental para realizar tarefas dentro de casa. Uma mulher deveria ter 3 desses vestidos em tecidos laváveis

Página de revista mostrando um wrapper gown de 1900-1901
Página de revista mostrando um wrapper gown de 1900-1901

Passando para a moda street wear, temos a alfaiataria sendo bem presente nos trajes femininos durante a era eduardina. Os tailor gowns, também chamados de trajes de passeio em algumas literaturas, eram trajes compostos por saia e uma jaqueta combinando, feitos preferencialmente sob medida por um alfaiate. O estilo de jaqueta mais comum para esses trajes, o estilo que "combinava com tudo" era a Jaqueta Eton, uma herança da moda vitoriana.

Eton jacket de junho de 1901
Eton jacket de junho de 1901

Uma edição de 1901 da revista Harpper's Bazaar trás um artigo interessante voltado para mulheres com um orçamento mais limitado, sobre como construir um guarda roupas de maneira econômica sem sacrificar a qualidade das peças e mantendo-se na moda. E a primeira peça citada, descrita como "uma necessidade nos dias de hoje" é o tailor gown. A recomendação era para, se possível, investir primeiramente em dois destes trajes, um para ser usado mais constantemente no trabalho ou para realizar outras tarefas, uma espécie de "roupa da semana", e o outro traje serviria como a famosa "roupa de sair" ou "roupa de domingo.

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Nessa época as roupas "prontas para usar", os primórdios do fast fashion, já eram bem populares. Mas como não eram todos que se encaixavam nas medidas tabeladas nas quais essas roupas eram produzidas, ajustes nas peças eram necessários, então ás vezes acabava compensando economizar mais por um tempinho para mandar fazer o traje com um alfaiate ou modista, e investir em materiais de boa qualidade que deem durabilidade para a peça. Essa é uma dica primordial já a gerações para quem quer ter um bom guarda roupas em qualquer época, investir em materiais com boa qualidade. Isso pode ser a diferença entre uma roupa durar 5 anos ou 5 dias.

Para aqueles que não podiam arcar com a confecção de dois trajes completos, uma saída era mandar fazer uma única jaqueta com duas saias, uma sendo mais longa e elaborada do que a outra, um traje de passeio e outro mais formal. As saias de passeio, para serem usadas nas ruas, eram mais curtas, mal tocando o chão, para não "varrerem as ruas" com suas caladas e serem mais práticas. Citando o livro Household Companion: The Home Book Of Etiquette "Não há nada mais repugnante do que ver um rico vestido varrendo a sujeira e imundice das ruas".

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Essa intercambialidade entre as peças é a chave para passar a impressão de se ter um guarda roupas muito mais diverso do que realmente se tem. Esses trajes não deveriam ser feitos com tecidos muito espalhafatosos ou com elementos muito marcantes, para garantir que a peça fosse mais atemporal e se mantivesse na moda por mais tempo, fazendo assim valer o investimento. Para completar a coleção de tailor gowns era preciso, se possível, um traje para o outono e um para a primavera (era comum ter pelo menos um modelo para cada estação do ano, mas isso era algo que dependia da condição financeira da mulher). O mesmo molde poderia ser usado para fazer todos os trajes, mudando apenas os tecidos usados para adapta-los ao clima de cada estação.

Saias de passeio em 1901
Saias de passeio em 1901

Especificamente para o verão branco era a cor da estação, com os trajes sendo confeccionados em linho ou algodão mais fino. A Harper's Bazaar recomenda algumas saias brancas no guarda roupas para serem usadas com camisas durante o verão.

Traje de algodão para ser usado durante o dia em 1900
Traje de algodão para ser usado durante o dia em 1900

O lingerie dress foi muito popular na moda verão de todo o período eduardino, chamados assim por serem inspirados na lingerie da época, feitos em tecidos de algodão transparente e com muita inserção de renda, caíram no gosto do público também por serem peças fáceis de se lavar em casa. Era o típico vestido pra ser usado em festas de jardins oi corridas de cavalos. Não era um vestido muito barato para se comprar, era o tipo de roupa que apenas mulheres de classes mais altas compravam em lojas (e tinham tempo também para irem nos eventos onde se usava um lingerie dress), mas com um pouco de economia para o tecido e uma boa costureira, ou tempo para costurar em casa, era possível ter um ou dois desses vestidos.

Os lingerie dresses eram usados com uma peça chamada "Princess slip" por baixo, uma espécie de camisola longa, que muitas vezes era também de tecido colorido para contrastar com o branco transparente do vestido. Esses são exemplos de modelos mais requisitados, usados por mulheres de classes mais altas
Os lingerie dresses eram usados com uma peça chamada "Princess slip" por baixo, uma espécie de camisola longa, que muitas vezes era também de tecido colorido para contrastar com o branco transparente do vestido. Esses são exemplos de modelos mais requisitados, usados por mulheres de classes mais altas

Para completar o guarda roupas temos a famosa shirt waist. Camisas icônicas do período eduardino, podiam ir de modelos mais simples até mais elaborados com muito trabalho de inserção de renda, eram muito populares como uniforme de trabalho. A Harper's Bazaar recomendava cerca de 6 dessas camisas para serem usadas com os trajes de passeio e as diferentes saias.

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Exemplos de shirt waists mais simple e uma mais elaborada. A primeira mais comumente usada por mulheres no trabalho
Exemplos de shirt waists mais simple e uma mais elaborada. A primeira mais comumente usada por mulheres no trabalho

Um reception gown era o tipo de traje usado para receber visitas ou comparecer a eventos semi-formais como jogos de cartas, jantares informais ou chás na própria casa ou em casa de amigos. Existem exemplos tanto simples quanto elaborados desses trajes, o design dependia da condição financeira da mulher, mas a Harper's Bazaar recomendava apenas um no enxoval.

Reception gown de 1905
Reception gown de 1905

O próximo item presente no guarda-roupa eduardino é o afternoon gown. Esse traje tem um leque bem amplo de exemplos, era algo mais formal do que um morning dress e menos chique do que um traje de jantar. Definitivamente não era algo para ser usado pela manhã ou no começo da tarde e nem em um jantar formal. Algumas revistas trazem que não se deveria usar esses vestidos fora de casa e outras dizem que não haviam problemas em comparecer a eventos noturnos menos formais na casa de amigos. Os modelos variavam muito dependendo das estações e até gosto pessoal da dona, eu pessoalmente acho um pouco difícil dizer com precisão o que é e o que não é um afternoon gown. A Harper's Bazaar recomendava 3 desses trajes em tecidos fáceis de lavar.

Afternoon gown de 1908
Afternoon gown de 1908

Os artigos da Harper's Bazaar não fazem menção a um traje formal de jantar ou de baile. Mas considerando que estamos analizando o guarda roupas de uma mulher mais classe média, acredito que esse não seja exatamente o tipo de traje presente no enxoval. Algumas mulheres até poderiam tem um vestido mais formal e chique para a noite, mas não era exatamente a prioridade.

Lembrando que todas essas informações são recomendações dadas por revistas da época, o que uma mulher possuía de verdade em seu guarda roupas dependia de vários fatores como classe social, gosto pessoal e rotina, mas já serve como guia para entender os hábitos de vestimenta da época e como montar um guarda roupa cápsula a partir disso.


Podemos fechar uma lista com:

  • 3 wrappers/morning gown

  • 2 a 3 tailor gowns

  • 6 shirt waists

  • 1 ou 2 saias para o verão

  • 1 lingerie dress

  • 1 reception gown

  • 3 afternoon gowns


Meu guarda roupa hoje consiste em:

  • 1 tailor gown de inverno (ainda em produção)

  • 2 vestidos que podem ser considerados como afternoon dress

  • 1 reception gown

  • Cerca de 8 camisas/shirt waists

  • 3 coletes

  • 3 saias de passeio

  • 1 vestido de algodão fino para o verão


Claro que isso tudo sem contar com capas, casacos de inverno, chapéus e outros acessórios, mas no quesito roupas consigo viver tranquilamente usando um guarda roupas eduardino diariamente. Tanto em casa, no trabalho ou a passeio consigo me organizar tranquilamente com as roupas que listei, principalmente com as várias combinações de camisas e saias que são possíveis. Não tenho um traje específico para usar em ocasiões a noite, como casamentos ou formaturas, mas em meio as roupas que tenho consigo fazer algo passar como traje noturno (e convenhamos, nem tem necessidade de seguir a risca regras de vestimenta de 100 anos atrás hoje em dia né).

Meu guarda roupa não é exclusivamente eduardino, tenho também peças da década de 1890 e algumas que nem histórica são. Não sigo a risca o historicamente correto, apenas uso como guia e uso o que gosto e acho bonito. No fim montar um guarda roupa é sobre usar o que te faz bem.


Vou deixar aqui minhas pastas do Pinterest com referências de diversos trajes de 1900 a 1918


Referências


7 comentários


Ivny Coura
Ivny Coura
05 de out.

Nossa, eu queria ter um guarda-roupa destes! Amo como as peças têm muita renda.

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Robs
21 de mai.

Ótimo post! Sou apaixonada pela moda eduardiana.

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Maria Fernanda
07 de mai.

Amei o post! Preciso fazer mais trajes dessa época pra mim haha

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Luanebulosa
03 de mai.

Nessa época já era comum fechar saias com botões? Quando começou a entrar em desuso as saias com fechamento em laços?

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Julia Tuleski
Julia Tuleski
05 de mai.
Respondendo a

Nessa época já eram super comuns fechamentos com botões e ganchos, inclusive encontram muitas peças com aqueles colchetes de pressão. Não sei dizer com precisão quando as saias passaram de fechamento de laços para botões, mas ao longo do século 19 já era bem comum ver as saias com botões

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Ana
02 de mai.

Post maravilhoso! Deu até vontade de começar a costurar meu próprio guarda-roupa eduardiano!

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Julia Tuleski
Julia Tuleski
05 de mai.
Respondendo a

Obrigada ❤️ é bem gostosinha a experiência de montar um guarda roupa cápsula de época

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